É verdade, a História desta Quinta remonta ao século XIX. Tenho o prazer de a contar na primeira pessoa. Hoje, mais conhecida por Noéme, a Quinta do Noemi de Cima pertenceu a António Joaquim de Andrade Pissarra, nascido no ano de 1865 e D. Elisa Augusta Abrantes, nascida em 1870, tendo já este herdado a propriedade dos seus bisavôs.
Deste casamento resultaram três filhos. Foi um deles, Maria Elisa Abrantes d`Andrade Pissarra Canotilho, a nossa avó paterna, que deixou esta propriedade – assim como outras que faziam parte do património da família. A minha avó teve três filhos e foi do meu Pai, António Abrantes Pissarra Canotilho, que herdámos esta propriedade, a Quinta do Noéme. O assento de Lavoura foi sempre em Alfarazes, onde existe ainda hoje a casa da Família, em ruinas.
Vida no campo, numa terra fértil. O património Agrícola da família era vasto e constituído por várias propriedades. Havia quatro casas de apoio à agricultura, mas as casas do Noéme foram aquelas com as quais sempre tivemos mais contato. Viviam lá os caseiros e as suas famílias numerosas, que sempre foram pessoas nossas amigas. Lembro também aqui e com saudade o Ti Toneca Frias, que fazia a matança do porco. No tempo de João de Andrade Pissarra e Maria Angélica, meus tetravós, as casas da quinta do Noéme sempre foram casas dos caseiros, reconstruídas em 1830 após um incêndio que as destruiu.
Eu, Joaquim Pissarra Canotilho tomei conta da propriedade há trinta anos com uma vacada alentejana e cavalos Lusitanos. Hoje são os meus dois filhos, o Joaquim António e João Nuno, que orientam e cuidam da exploração. Esta propriedade, com muita terra de pastagem, sempre foi utilizada para produção de centeio, muita batata, e vacas turinas. Havia também juntas de bois amarelos para o trabalho agrícola. Na década de 60 e 70 houve a instalação de pomares de maçãs de Bravo de Esmolfe, mas que rapidamente deixaram de ter interesse económico.
A batata era transportada pela Sociedade de Transportes para a Estação da Guarda, e depois de comboio para os grandes centros. Já o leite era distribuído pelas leiteiras na Guarda, que todas as manhãs o levavam até a casa dos clientes. A produção de batata sempre foi abundante, pelo facto de a Quinta ter muita água para rega proveniente do Ribeiro do Paço – atravessa a propriedade e desagua na margem esquerda do rio Noéme.
Aos domingos, no verão. O rio Noéme, do qual disfrutei muito em miúdo, sempre foi de água límpida e rico em peixe. Aliás, era nas suas margens e em família que passávamos os domingos de verão. Que saudade das tradicionais merendas, onde nada faltava. Meu Pai António Abrantes Pissarra Canotilho, foi o grande impulsionador destas merendas, onde toda a família da Guarda convivia de uma forma muito intensa. Eram postas as toalhas no chão do lameiro – na margem esquerda do Noeme – e à volta as tradicionais mantas de farrapos onde toda a gente se sentava.
Na nossa família, as merendas tinham que ter sempre as batatas enfardadas, o ovo da batata com cebola, a pescada frita, os bifes do lombinho fritos e depois com o molho de vinho e leite, o arroz de tomate, o galo ou peru assado, sem faltar o presunto da matança, a chouriça do azeite e o cabrito assado no forno, frio sem molho, e partido em tiras fininhas por assim ser mais saboroso. Para terminar, lugar ao queijo de ovelha da Corujeira, o queijo fresco da Laurinda da Ramela e como doce a bôla da manteiga, feita com a manteiga do Mileu. As malgas com marmelada, o doce de cereja branca e o doce de botelha, que o meu Pai não dispensava com o queijo. O vinho era metido na ribeira e estava sempre fresco. Os miúdos bebiam o refresco de groselha, feito pela nossa avó. A carrinha Commer estava sempre ao serviço do dia da merenda, só para transportar a tralha toda. Ainda hoje conservamos em bom estado, alguns dos cestos da merenda feitos em verga de Gonçalo.